Monday, March 23, 2009

Maria voava



Maria voava… Maria voava e sorria. Antes de voar Maria vivia isolada e sozinha naquele que parecia ser o melhor dos mundos. No entanto, Maria olhava para o céu todos os dias, desejando bater asas e voar. “Não sei voar.” “Não preciso voar…preciso sim.” Rodeada de seres iguais a ela, Maria achava que não precisava voar. “Voar para quê?” Maria não queria ser diferente, isto quando sabia que já o era desde que se lembrava de si mesma. Um dia cantou… fechou os olhos, respirou fundo e cantou. Era algo indescritível. Não sabia que era assim. Sabia que era bom, mas não daquela maneira. Tinha experienciado a melhor sensação do mundo. A sensação de estar completa. Eram todas as sensações num único respirar. O nervosismo por ter todos aqueles olhares sobre ela; o medo de falhar e fazer má figura; a ansiedade por experienciar algo único; a emoção por sentir as palavras que saiam de sua boca; e no final… o amor, a alegria, o calor das palmas. Saber que fora talhada para viver e reviver momentos como aquele. Descobrir a razão pela qual era diferente. Maria era capaz de ouvir para sempre aquele som. Conseguira ouvir a respiração do público a acelerar, as sobrancelhas a levantarem-se, os ouvidos a tentarem captar o máximo de informação, a pele a arrepiar-se, os sorrisos a abrirem-se e as mãos a baterem uma contra a outra a gritarem “amor, amor, amor”. Maria sabia que era isto que queria para a sua vida. Acordar e adormecer todos os dias a sentir-se como se sentiu naquele momento. Completa! Sabia que podia morrer naquele momento que morreria no maior êxtase possível. Mas Maria não morreu. Viveu e vive muitos anos depois disso. Anos tão longos e tão diferentes dos anteriores, que cada um deles parece equivalerem a uma vida. Ao longo desses anos Maria nunca voou e nunca mais cantou. Recordava para ela mesma as palavras que haviam saído da sua boca. Chorava junto com sua alma por nunca mais ter cantado como naquele dia. Mesmo para si, Maria cantava cada vez menos. Já não era tão nova, tão rebelde, tão idealista e ávida de vida. Maria não tinha voado, mas tinha andado para longe. Para uma terra que lhe parecia ainda mais longínqua por a colocar em situações e ambientes tão vazios… Salas cheias eram agora vazias de ideias e aplausos de amor eram murmúrios de inveja. Maria pensava que se tinha esquecido de como cantar, mas quando estava triste ou só suas palavras saiam como música. Um dia Maria voou. Sem se aperceber abriu seu coração e bateu asas até ao céu. Finalmente tinha conseguido chegar ao céu. Quando Maria voava não conseguia cantar. Sua voz foi esquecendo como pronunciar certas palavras e sua alma foi chorando em silêncio por saber que ainda viveria todos esses anos sem voltar a sentir algo como o que sentiu no primeiro dia em que cantou para toda a gente. Maria continua a voar e continua à espera de voltar a sentir-se completa. Maria canta para si nos seus sonhos, nos seus pensamentos. Maria e voava e sorria ao invés de declamar poesia, mas ela sabia que um dia voltaria a dizer aqueles versos com palavras tão profundas que pareciam o cantar dos anjos. Maria voa, sorri, vive e sonha.