Saturday, May 9, 2009

Tiny Little Girl


Não escrevia… A menina sonhava que não escrevia… Sem pensamentos a caneta e o papel nada fazem. Estaria ela vazia? Sem ideias? Oca? Os pensamentos estavam lá., mas a coragem fora-se há muito. Aquela força que fazia com que as ideias ganhassem muito mais que a forma de palavras, quase uma vida, algo humano… essa força desvanecia. A menina vagueava entre o choro e a solidão. Estaria louca? Estaria perdida? Talvez estivesse esquecida dentro do seu próprio ser. A menina que brincava com as palavras como uma criança com um boneco. Não fazia e acontecia, mas escrevia e tudo se resolvia. Fosse qual fosse a mágoa apaziguava-se à medida que a caneta ia ficando sem tinta. As palavras compenetravam-na e saravam qualquer mazela criada fosse pelo que fosse. A menina não sorria. A menina escrevia… e ao escrever era como se já sorrisse. A sua felicidade era páginas preenchidas por sentimentos. A menina não vivia. A menina escrevia. Mais do que respirar sabedoria, a menina sentia como nunca pensara que alguém pudesse sentir. Cada canto, cada esquina, cada rua, cada praça, tudo era lugar de história, tudo era um conto. Cheia de olhares intrometidos, a menina fitava as pessoas à procura de histórias e vidas no seu rosto. Qualquer coisa, nada e tudo é uma boa história. A caneta teima em não escrever e as rimas parecem não sair. A menina acorda do pesadelo, sabendo que no mesmo dia deveria escrever algo, para conseguir distinguir o sonho da realidade. Conseguirá a menina escrever? A menina está aqui no seu pequeno e minúsculo mundo e escreve. No entanto, sabe que aquele sonho é mais real do que a realidade se parece com os sonhos. A menina pode não escrever com a caneta e o papel, mas escrever com o seu pensamento. Nele encerra mil e uma histórias à espera de serem expostas e contadas a quem merece ouvi-las ou conseguir compreende-las. Um dia vão todas ser escritas. Por agora a menina vai escrevendo, vai sonhando e vai vivendo. Pode sonhar mais do que aquilo que escreve, mas as palavras e as ideias estarão sempre presentes. Um dia vão todas sair cá para fora.

Monday, March 23, 2009

Maria voava



Maria voava… Maria voava e sorria. Antes de voar Maria vivia isolada e sozinha naquele que parecia ser o melhor dos mundos. No entanto, Maria olhava para o céu todos os dias, desejando bater asas e voar. “Não sei voar.” “Não preciso voar…preciso sim.” Rodeada de seres iguais a ela, Maria achava que não precisava voar. “Voar para quê?” Maria não queria ser diferente, isto quando sabia que já o era desde que se lembrava de si mesma. Um dia cantou… fechou os olhos, respirou fundo e cantou. Era algo indescritível. Não sabia que era assim. Sabia que era bom, mas não daquela maneira. Tinha experienciado a melhor sensação do mundo. A sensação de estar completa. Eram todas as sensações num único respirar. O nervosismo por ter todos aqueles olhares sobre ela; o medo de falhar e fazer má figura; a ansiedade por experienciar algo único; a emoção por sentir as palavras que saiam de sua boca; e no final… o amor, a alegria, o calor das palmas. Saber que fora talhada para viver e reviver momentos como aquele. Descobrir a razão pela qual era diferente. Maria era capaz de ouvir para sempre aquele som. Conseguira ouvir a respiração do público a acelerar, as sobrancelhas a levantarem-se, os ouvidos a tentarem captar o máximo de informação, a pele a arrepiar-se, os sorrisos a abrirem-se e as mãos a baterem uma contra a outra a gritarem “amor, amor, amor”. Maria sabia que era isto que queria para a sua vida. Acordar e adormecer todos os dias a sentir-se como se sentiu naquele momento. Completa! Sabia que podia morrer naquele momento que morreria no maior êxtase possível. Mas Maria não morreu. Viveu e vive muitos anos depois disso. Anos tão longos e tão diferentes dos anteriores, que cada um deles parece equivalerem a uma vida. Ao longo desses anos Maria nunca voou e nunca mais cantou. Recordava para ela mesma as palavras que haviam saído da sua boca. Chorava junto com sua alma por nunca mais ter cantado como naquele dia. Mesmo para si, Maria cantava cada vez menos. Já não era tão nova, tão rebelde, tão idealista e ávida de vida. Maria não tinha voado, mas tinha andado para longe. Para uma terra que lhe parecia ainda mais longínqua por a colocar em situações e ambientes tão vazios… Salas cheias eram agora vazias de ideias e aplausos de amor eram murmúrios de inveja. Maria pensava que se tinha esquecido de como cantar, mas quando estava triste ou só suas palavras saiam como música. Um dia Maria voou. Sem se aperceber abriu seu coração e bateu asas até ao céu. Finalmente tinha conseguido chegar ao céu. Quando Maria voava não conseguia cantar. Sua voz foi esquecendo como pronunciar certas palavras e sua alma foi chorando em silêncio por saber que ainda viveria todos esses anos sem voltar a sentir algo como o que sentiu no primeiro dia em que cantou para toda a gente. Maria continua a voar e continua à espera de voltar a sentir-se completa. Maria canta para si nos seus sonhos, nos seus pensamentos. Maria e voava e sorria ao invés de declamar poesia, mas ela sabia que um dia voltaria a dizer aqueles versos com palavras tão profundas que pareciam o cantar dos anjos. Maria voa, sorri, vive e sonha.

Sunday, February 22, 2009

Há coisas que nunca mudam



Quando nos recordamos do passado somos invadidos por uma enorme onda de nostalgia e tristeza por saber que nunca mais vamos voltar a ter as mesmas experiências. Ou se calhar até vamos, mas com pessoas e cenários diferentes. Recordamos inúmeros episódios e personagens da nossa vida e perguntamo-nos o que será feito deles. Estarão mais altos, mais gordos, mais bonitos, mais burros… Será que se voltássemos todos a conviver as relações seriam iguais. Os amigos continuariam amigos, os inimigos continuariam a ser massacrados, continuaríamos com os meus rituais e com as mesmas conversas? Já se passaram alguns anos e embora eu me sinta cada vez mais distante da pessoa que outrora fui, reconforta-me saber que há coisas que nunca mudam. As pessoas crescem, envelhecem, mas continuam iguais. Continuamos a ser elitistas à nossa própria maneira, as mulheres continuam a olhar-nos de lado e os homens de cima a baixo. Aqueles que são verdadeiros amigos continuam presentes e os interesseiros ou amigos por conveniência seguiram a sua vida. Os inimigos continuam a não nos suportar, mas agora parece que já não nos reconhecem. Pode estar tudo igual, mas eu mudei. Não se tratando apenas da aparência como é óbvio. Cresci, vivi e acalmei. Contudo, no interior desta mulher ainda resta uma grande parte da rapariga rebelde e sonhadora de outros tempos e outras vidas. Esse pedaço de passado ficará sempre, pois faz parte de quem sou. Todas as histórias que vivi, todas as cicatrizes e mágoas que ganhei, completam-me. Todas as pessoas que me magoaram e desiludiram fizeram aquilo que sou, todas as pessoas que me foram indiferentes moldaram-me assim. Todos os que me deram amor e amizade, mesmo sendo poucos, também são parte de mim. Milhares de memórias que me fazem querer reviver o passado, pois mesmo não tendo sido fácil, nele fiz algumas das melhores amizades e recolhi algumas das minhas melhores memórias. Naquela terra onde Deus não passou, tudo continua igual… As pessoas, os cheiros, os sons, o frio. Reconforta-nos voltar a um sítio assim, pois vemos que estando tudo igual, nós não mudamos, mas sim evoluímos. Continuamos a mesma pessoa, mas mais crescida. Podem passar vinte ou trinta anos e quando voltar àquele cenário sei que vai estar tudo igual, apenas com mais rugas e cabelos brancos. Há coisas que nunca mudam… e ainda bem.