Tuesday, June 5, 2007

Por entre cabelos brancos...



No meio de tanta gente que sai e entra, que se senta e levanta, ouve música, dorme, come, bebe ou simplesmente observa os outros passageiros; deparo-me a olhar para os cabelos brancos das pessoas que me rodeiam. A carruagem vai cheia, o barulho do motor do comboio é ensurdecedor. Observo os idosos que vão nos bancos, à minha frente, ao meu lado, e faço comparações entre eles. Uns com a cara mais marcada pelas rugas, outros com mais cabelos brancos, tísicos, obesos, altos, baixos, mas com uma coisa em comum: um olhar longínquo por vezes apercebidos por meio de conversas superficiais e das fotografias dos netos, mostradas aos companheiros de viagem. Em que pensarão eles? O que os reconfortará? Provavelmente só saberei quando chegar àquela idade, se chegar… São espíritos que deambulam e que apesar de tentarem compreender a nova sociedade não se integram e tentam sobreviver de recordações e pensamentos longínquos, sim, porque naquela idade já ninguém vive, apenas sobrevive. Quando chego a casa, após ter estado distante durante algum tempo, deparo-me com os cabelos brancos e com as rugas que povoam a cara da minha avó. Parecem aumentar de semana para semana, tal como o cansaço expresso na minha cara aumenta. Só assim me apercebo de como o tempo passa e o cabelo que outrora era preto tornou-se branco, e a menina que outrora era criança é agora mulher. Crescemos sem nos apercebermos, envelhecemos sem querermos. Vemos os nossos parentes a ficarem cada vez mais velhos e receamos perdê-los. Vemos o nosso retrato a ficar cada vez mais vincado e receamos não viver o suficiente. Temos medo da velhice porque tememos a morte. Receamos ficar senis, sem rumo, feios, mas sobretudo sozinhos. Ninguém quer acabar os últimos dias da sua vida sem alguém a seu lado que lhe segure na mão e que diga que estaremos sempre em sua memória e seu coração. A velhice é nostálgica porque recordamos consistentemente os piores dias e os melhores dias da nossa vida. Desejamos revivê-los a todos, até mesmo as piores. Lembramo-nos do nosso retrato quando éramos jovens e belos e julgávamos ter o mundo aos nossos pés. Choramos o que éramos, o que somos e o que seremos… uma partícula de pó, uma recordação que acabará por ser esquecida. No fundo o que queremos é ser recordados e deixar o nosso contributo no mundo. Queremos ser recordados jovens e saudáveis, com a imagem que sempre tivemos dentro da nossa cabeça. Por um espírito mais jovem que tenhamos o que fica na memória das pessoas é a nossa imagem. Eu tenho uma alma e um corpo de uma idade demasiado avançada. O cansaço do meu rosto e os traços que o marcam profundamente denunciam um espírito envelhecido, que já viveu demais ou que já pensou muito em viver demais. Tudo à minha volta envelhece, à mediada que o relógio avança mais do que devia avançar. Quero ser recordada jovem, mas quero viver mais. Aliás, quero viver demais, pois perante a ameaça da morte e da velhice o carpe diem ganha mais significado. Resta-me apenas mostrar o quanto gosto dos que me rodeiam e esperar quer os cabelos brancos não se emancipem rápido demais. Quanto a mim, no fundo serei eternamente jovem, e mesmo que não me recordem assim, o bater do meu coração será sempre rápido demais, ansiando por mais vida. O ar do planeta parecerá sempre insuficiente para tanta ânsia de respirar e absorver tenta essência, informação e tanta vida.

4 comments:

José Pedro Pinto said...

Brilhante, simplesmente brilhante. Ainda na outra noite cheguei à conclusão de que, afinal, tenho medo da morte, apesar de ter andado muitos anos sem pensar sequer nessa etapa a que chegarei, um dia destes. Não é o envelhecer que mais me assusta. É o simples facto de não saber QUANDO é que abandonarei as pessoas que me rodeiam e como será esse meu desaparecimento. Concordo contigo quando dizes que o carpe diem tem agora ainda mais sentido. Não pode ser de outra maneira, né?

Rita. said...

Se conseguisse, tinha lido o teu texto de olhos fechados.

Teria sabido tão melhor que acho que teria chorado.

Cada palavra encaixou nos anos, no tempo, na memória, no corpo e na alma. Foste capaz de expressar um grande "Senhor Medo".

E foste-o de uma forma, como disse o Jeco, e quero lá saber das regras de tep, Brilhante! (ela não me ia deixar escrever isto com maiúscula =p)

Beijinho grande, Melanie =D*

Perséfone said...

eu também me pergunto muitas vezes o que será que vai na mente dessas pessoas e fico curiosa sobre como será que elas se ouvem dentro das suas cabeças. quer dizer, será que continuam a ouvir-se jovens e articuladas? ou arrastadas e incompreendidas? deve ser a isso afinal que as pessoas se referem quando dizem ter ainda um espirito muito jovem. e é tambem afinal isso que a maior parte das pessoas teme. essa perda. mais que o envelhecimento do corpo, ou então de igual forma teme-se o encarquilhar da alma, do espirito, o enferrujar do traquejo. eu pelo menos tenho um medo que me pélo. no dia em que deixar de conseguir fazer companhia a mim própria, morro mesmo que continue viva.

o cabelo branco e a ruguinha possuem aquele fascinio próprio do que causa temor. ^^ espero que quando chegar a minha vez eu as ostente com orgulho :D


(é verdade, o johnny é um daqueles actores com uma lista incrivel de participaçoes pitorescas e caricatas em filmes maravilhosos. (com a mais valia de ter "o" look e sex appeal mais apetitosos do cinema :P)quando vires o filme diz-me de tua justiça :D)


beijo*

UnfinishedSong said...

Adorei o texto... Tantas vezes já pensei nisso. Tantas vezes dei por mim a observar os meus avós ou um senhor ou uma senhora no autocarro, na rua...

O tempo voa e como eu gostaria de o agarrar e encostá-lo à parede com tanta violência, que o relógio parasse de funcionar e o movimento de tudo fosse mais lento... Mas as coisas só vão ganhando significado com o próprio tempo. Não anseio pela velhice, sei que virá a seu tempo... Anseio menos, ainda, por perder os meus avós... Penso diversas vezes que não quereria estar cá quando a morte deles chegasse... Porque a morte custa. Ela leva-nos imensa coisa. E que saudades teria eu daquelas ruguinhas, cabelos brancos e olhares movidos pela saudade do que já viveram...