Friday, June 29, 2007

Rua dos Maltratados


Esta semana conclui que apesar de já estar há algum tempo no Porto mal o conheço. Lugares por onde passo todos os dias e todas as noites encerram encantos e mistérios que desconheço. Vejo o velho com o blazer e bigode branco a falar com toda a gente e a mandar seu charme para as raparigas mais bonitas. Elogia um dos olhares mais sedutores que já viu, elogia outra rapariga sexy e com uma “vivacidade incrível, capaz de trazer vida e alegria a tudo”. O Sr. Gusto como apelidamos carinhosamente deixa-nos perplexas com a sua cultura geral e com as suas histórias de vida. Conta já doze filhos de quatro mulheres diferentes e muitas outras paixões. Vai declamando Camões, Bocage, Byron e deixando-nos envergonhadas por não conhecermos todos os poemas destes autores. A sua cultura é muito superior à nossa, então limitamo-nos a ouvi-lo atentamente, esperando aprender algo que não nos ensinam na escola… viver. Na primeira noite quando encontramos o Sr. Gusto na antiga rua dos maltratados ele estava com outro homem que tinha sido pára-quedista, segundo ele, mas ao qual não prestei muita atenção, pois estava um bocado alucinado, isto ao ponto de dizer que ia buscar os sete cães dele e depois aparecer apenas com dois. Outro homem boémio sentado no passeio tocava viola e improvisava uma canção. De vez em quando parava para acariciar a sua cadela, uma dálmata chamada Marta. Estes três velhos com mentes de jovens boémios juntaram-se ao nosso grupo de quatro pessoas e proporcionaram-nos uma noite fantástica. O bar fecha, mas nós continuamos cá fora a com mais pessoas desconhecidas com ar de metaleiros, mas que ouvem agora um amigo meu a tocar na viola do dono da Marta. Continuamos a falar uns com os outros entre um cigarro e outro, partilhamos histórias, experiências, passamos uma noite na rua a falar da vida, dos seus problemas e eu realizou como um idoso pode ser tão jovem e tão sábio ao mesmo tempo. Na noite seguinte voltamos a encontrar o Sr. Gusto, desta vez noutro café, mas acabamos a noite na rua dos maltratados, mais uma vez, a ouvir atentamente as histórias do Sr. Gusto que desistiu de Direito quando estava no terceiro ano, com vinte anos, por causa de uns olhos sedutores. Sempre com a sua pose de galã o velho que espera pelo ópio despede-se de nós desejando-nos tudo de bom e esperando voltar a ver-nos para passarmos mais noites agradáveis como aquelas. Tenho pena de ir embora e de ter descoberto esta rua agradável que de maltratada não tem nada, e estas pessoas interessantes, apenas agora. Esta sim é a verdadeira noite do Porto, em que se passa uma noite inteira sentados no meio da rua, a falar com amigos e com estranhos, se fazem novas amizades e se conhecem pessoas interessantes capazes de nos dar uma lição de vida. Vou ter saudades desta nova descoberta e espero que quando voltar a rua dos maltratados não tenha perdido o seu encanto.

3 comments:

José Pedro Pinto said...

Pois é , mais do que a história que nos contas há a reter a tua paixão súbita pelas gentes e maneiras de encarar a vida aqui da nossa Invicta. As noites, ai as noites!

UnfinishedSong said...

Também quero uma experiência assim uma noite destas... Quero sair e conhecer pessoas que falem sobre si e como que recordar memórias que não são minhas. Ganhar saber que não é meu... Ou então conversar pelo simples facto de estar viva... Nem sabes como o quero neste momento. Deixaste-me cheia de inveja ;) Noites do Porto...

Magui said...

O Sr. Gusto ia gostar de ler isto...
Um homem espetacular, sem dúvida. Com muito para ensinar, para partilhar...e nós tivemos a sorte de poder ser suas ouvintes! É este o espírito da cidade que escolhemos para nos acolher.
Foi tão bom ouvir as suas histórias, sermos chamadas de "minha querida"... Espero mesmo reencontrá-lo.

bj****